E Portugal, ó pá?
5 setembro, 2018Alguns amigos e seguidores do Blog me perguntam como funciona o mercado português de apostas desportivas online. Principalmente como ficou o cenário após a regulação e a fiscalização por parte do Estado, o que fez com que grandes players, como a Betfair e a Bet365 deixassem de atuar em terras lusas.
Que fique bem claro: isso não é um artigo sobre as funcionalidades, odds ou handicaps dos sites, mas sim um panorama sobre o mercado português!
Vamos lá para uma breve explicação!
Nascem as Regras
Em 29 de abril de 2015, foi publicado o Decreto-Lei n.º 66/2015, onde criou o Regime Jurídico dos Jogos e Apostas Online (RJO). Esse Decreto alterou também o Código da Publicidade e o Decreto-Lei n.º 129/2012, que aprovou a criação do Instituto de Turismo de Portugal.
Antes da entrada em vigor do RJO, o mercado português era considerado um gray market, como o Brasil, onde inúmeros operadores atuavam de forma remota e não era coibida a aposta online feita nesses bookies.
Após a Regulamentação, durante um espaço de tempo, apenas a PLACARD, através de suas lojas físicas e via online, operou de forma solitária em Portugal. Ao se tratar de uma empresa da Santa Casa de Misericórida de Lisboa, com forte apelo social, a PLACARD se consolidou como principal local de apostas desportivas e jogos para os portugueses.
Com o novo regulamento sobre apostas desportivas online e a abertura do mercado para os investidores, interessados apareceram para preencher o mercado.
Chegam os sites
A primeira licença foi atribuída ao site BETCLIC, de propriedade do Betclic Everest Group, com sede na França e forte atuação no cenário de patrocínios à clubes de futebol, com históricos ligados ao Lyon e Juventus. A BETCLIC é a única “estrangeira” com atuação em Portugal, pois as demais empresas possuem acionistas majoritariamente portugueses.
Caso da BET.PT, da BET Entertainment Technologies Ltda. que, apesar de ter sede em Malta, é dirigida por portugueses e possui forte ligação com o Grupo que criou a Sport TV, PPTV, Olivedesportos e a Sportinveste Multimidia. A bet.pt é o principal player no mercado português atualmente e, tendo sua Sede fora das fronteiras lusitanas, é aquela capaz em levar sua marca para além mar.
Seguindo os passos da bet.pt, outros portugueses entraram neste segmento.
A ESC Online é o braço nas apostas desportivas online do Grupo que comanda os Casino de Estoril, Lisboa e Póvoa de Varzim. O Grupo Estoril-Sol já está presente nos jogos lusitanos há algumas décadas e deverá renovar suas concessões para seus pontos de jogos físicos dentro de alguns meses. Mesmo tendo origem nos Casinos, nesta última Copa do Mundo, a operação online nas apostas desportivas obteve receitas brutas na casa dos €5,1 milhões!!
A casa que chegou mais tarde no mercado, mas tem conquistado bastante espaço entre os usuários, é a NOSSA APOSTA. Tal como as outras duas, a NOSSA APOSTA pertence a um dos principais grupos de mídia do país: a COFINA.
A COFINA é a principal acionista dos veículos de comunicação A BOLA, CM TV e Correio da Manhã. A quantidade de veículos para divulgação da sua marca é um importante diferencial competitivo nesta indústria. Isso a NOSSA APOSTA tem aproveitado bastante bem.
Por último, mas não menos importante, temos novamente a PLACARD. Como mencionei mais acima, a PLACARD é o site para apostas desportivas da Santa Casa de Misericórdia de Lisboa e, somente antes da Copa, foi lançado no mercado sob as novas regras. Seu grande diferencial é a possibilidade exclusiva em utilizar os pontos físicos das lotéricas da SCML para aceitar apostas online.
Somente a PLACARD pode utilizar deste subterfúgio!!!
A Santa Casa de Misericórdia de Lisboa foi a última a entrar no ambiente online das apostas desportivas sob a nova regulação, mas é aquela que mais possui facilidade em aumentar sua fatia de mercado.
Além das lojas físicas (exclusividade!), ainda possui um forte apelo social, pois a operação da Placard.pt é formada pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (54%), a União das Misericórdias Portuguesas (16%), a Fundação Montepio Geral (15%), a Cáritas Portuguesa (7,5%) e a ACAPO (7,5%).
Todas entidades sem fins lucrativos e com forte apelo social!
Impostos nunca são demais
Os mercados regulados são, sem dúvida, muito melhores que aqueles sem qualquer regra, onde vale a lei do mais forte ou do mais esperto. Contudo, para atuar em um mercado com normas claras é preciso pagar o preço, e esse preço em Portugal não é barato.
No primeiro semestre de 2018, o jogo online em Portugal gerou uma receita bruta de 70,2 milhões de Euros, uma diferença de 23,6% em relação ao mesmo período do ano passado. Deste total, 27,9 milhões de Euros foram para os cofres do Estado, ou seja, 39% das receitas foram parar nos bolsos da SRIJ através do Imposto Especial de Jogo.
Os custos portugueses são altos. Bastante elevados para o tamanho do mercado e seus limites de ofertas. Por outro lado, as exigências legais e garantias financeiras conferem uma base sólida ao cenário das apostas desportivas lusitano.
Para se ter uma ideia, é preciso ter uma caução no valor de €500.000,00 para garantia das obrigações do site, principalmente para o pagamento dos saldos estimados das contas dos jogadores e eventuais multas que podem ser aplicadas pelo órgão regulador.
Outra caução, no valor de €100.000,00, é necessária ser depositada para garantir o pagamento do Imposto Especial de Jogo Online (IEJO). Além das cauções, a empresa que pretende montar suas operações por aqui, precisa comprovar suas Capacidades Técnica e Econômica/Financeira, todas descritas no Decreto-Lei nº 66/2015.
Enfim, para um mercado regulado, as exigências são razoáveis, mas o valor dos impostos é um pouco exorbitante.
As taxas de impostos, que podem chegar à 16% nos casos das apostas desportivas online, são aplicadas no montante integral do valor das apostas efetuadas pelos usuários, ou seja, a SRIJ é praticamente uma sócia dos sites em suas operações.
A distribuição do valor recolhido também está descrita no Decreto-Lei nº 66/2015 e é repartido em algumas fatias, com grande parte sendo direcionada ao Ministério da Solidariedade, Emprego e Segurança Social.
Networking lusitano
Das 13 Licenças homologadas até agora em Portugal, apenas 01 é “estrangeira”. Essa diferença explica muito o atual cenário português das apostas desportivas online.
Como Portugal é um mercado com uma massa crítica reduzida, são menos de 10 milhões de pessoas, quanto maior for a influência na transmissão de qualquer tipo de mensagem ou vender um serviço, maior será a participação no mercado desta marca.
Aqui as marcas advindas de fora possuem um problema.
Sem exceção, todas as marcas portuguesas souberam aproveitar o início da Regulação e a ausência dos grandes players para sedimentarem suas posições junto aos principais veículos de comunicação do país.
Tanto a BET.PT, quanto a NOSSA APOSTA a ESC-ONLINE e a PLACARD, dominam os meios de comunicação nas horas dos intervalos das partidas dos principais eventos desportivos, sem falar nas publicidades estáticas durante as partidas dos Campeonatos portugueses de futebol das primeira e segunda divisões.
A BETCLIC perdeu um pouco essa briga e agora aposta suas fichas diretamente no SLBenfica. Não é insensato, principalmente porque já tem expertise neste tipo patrocínio com clubes como a Juventus e o Lyon.
Para as marcas que pretendem aportar suas caravelas em Portugal, é preciso entender que a briga não será fácil, além de pensar em algo fora do normal será preciso enxergar oportunidades em veículos diferentes daqueles atualmente utilizados pelos sites, seja por através dos novos canais via streaming (Eleven Sports e DAZN), seja por uma forte estratégia voltada para o ambiente digital (Blog, Canais de Transmissão, Eventos, etc.).
Portugal vale a pena?
A resposta é positiva, mas não pense que será fácil.
Apesar de todas as variantes e um mercado que se consolida de forma muita rápida, o público português tem uma cultura para as apostas desportivas enraizada em sua personalidade, o que facilita entender e experimentar novos produtos relacionados a este mercado.
No último levantamento da SRIJ, mais de 60% dos usuários dos sites de apostas desportivas possuem entre 18 e 34 anos. População jovem e que está habituada à navegar no ambiente digital, além de estar atenta aos diversos outros players que existem no mercado mundial das apostas online.
Daí casas como a BETFAIR ou BET365, podem ainda retornar ao mercado português e obter sucesso, mas terão que repensar como reconquistar esse “novo” cliente luso, pois as marcas locais estão fazendo um trabalho muito bem feito e digno de elogios não só no viés do marketing, mas também na usabilidade de suas plataformas e ofertas de jogos.
Pode chegar ó pá, mas chega devagar.